sexta-feira, 31 de dezembro de 2010


Musa dos Olhos Verdes

Musa dos olhos verdes, musa alada, 
Ó divina esperança, 
Consolo do ancião no extremo alento, 
E sonho da criança; 

Tu que junto do berço o infante cinges 
C’os fúlgidos cabelos; 
Tu que transformas em dourados sonhos 
Sombrios pesadelos; 

Tu que fazes pulsar o seio às virgens; 
Tu que às mães carinhosas 
Enches o brando, tépido regaço 
Com delicadas rosas; 

Casta filha do céu, virgem formosa 
Do eterno devaneio, 
Sê minha amante, os beijos meus recebe, 
Acolhe-me em teu seio! 

Já cansada de encher lânguidas flores 
Com as lágrimas frias, 
A noite vê surgir do oriente a aurora 
Dourando as serranias. 

Asas batendo à luz que as trevas rompe, 
Piam noturnas aves, 
E a floresta interrompe alegremente 
Os seus silêncios graves. 

Dentro de mim, a noite escura e fria 
Melancólica chora; 
Rompe estas sombras que o meu ser povoam; 
Musa, sê tu a aurora! 

Machado de Assis

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010


Intimidade

No coração da mina mais secreta, 
No interior do fruto mais distante, 
Na vibração da nota mais discreta, 
No búzio mais convolto e ressoante, 

Na camada mais densa da pintura, 
Na veia que no corpo mais nos sonde, 
Na palavra que diga mais brandura, 
Na raiz que mais desce, mais esconde, 

No silêncio mais fundo desta pausa, 
Em que a vida se fez perenidade, 
Procuro a tua mão, decifro a causa 
De querer e não crer, final, intimidade. 

José Saramago

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010


Aceita o Universo

Aceita o universo 
Como to deram os deuses. 
Se os deuses te quisessem dar outro 
Ter-to-iam dado. 

Se há outras matérias e outros mundos 
Haja. 

Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010


Águas de Forestier

O vinho que toca seus lábios
desperta o pecado
em um pobre pagão
que sonha com o paraíso,
onde todas as águas
se transformam em vinho,
dos rios, lagos, marés e cachoeiras,
salgadas, doces, porém todas vermelhas.
Lavando seus pés,
molhando os seus seios,
escorrendo sobre todo seu corpo
o doce veneno,
que nos embriaga a sede de outras paixões.
Pequenos Bacos
brincando de serem anões,
e todo pecado será desculpado
por todo motivo impulsionado por prazer.
Toda musa será deusa,
todo ateu será José,
e o pecado é não beber
da fonte das águas de Forestier.


Cristiane Neder

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010


CANTAREI O AMOR

Acima de tudo
cantarei o amor

O de Cristo e Confúcio, o de Romeu e D. Juan,
acima de tudo cantarei o amor .

Em todos os momentos, lascivos ou gloriosos,
mansos ou eróticos,
unindo dois ou arrastando milhões,
nascido da ternura ou da revolta,
procriando seres ou idéias,
acima de tudo cantarei o amor.

O amor
-cimento e força -
que constrói e ilumina
que convoca e conquista,
- bola de neve do Bem inevitável -
acima de tudo cantarei o amor.

E o tirarei do coração
como a hóstia do cálice
ou o sol, da manhã,
ou a espada, da bainha,
- fulcro para a alavanca do meu verso
mover o mundo -

acima de tudo cantarei o amor.


J. G. de Araujo Jorge

sábado, 18 de dezembro de 2010


Noturno

Amor! Anda o luar, todo bondade,
Beijando a Terra, a desfazer-se em luz...
Amor! São os pés brancos de Jesus 
Que anda pisando as ruas da cidade! 

E eu ponho-me a pensar... Quanta saudade 
Das ilusões e risos que em ti pus! 
Traças em mim os braços duma cruz, 
Neles pregaste a minha mocidade! 

Minha alma que eu te dei, cheia de mágoas,
É nesta noite o nenúfar de um lago 
Estendendo as asas brancas sobre as águas! 

Pousa as mãos nos meus olhos, com carinho, 
Fecha-os num beijo dolorido e vago...
E deixa-me chorar devagarinho... 

Florbela Espanca

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010


Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu?"
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010


O amor é quando a gente mora um no outro.

Mario Quintana

domingo, 12 de dezembro de 2010


Quando te espero, te quero

Preciso dizer quando te quero
Pois também amo a solidão
Te quero quando te espero
Na espera, bate forte o coração
Sinto que tu és tudo que quero
Minha fonte de inspiração

Há muito tempo que me inspiro
Na paz do amor, doce emoção
Nos momentos que te espero
Tudo penso, é um turbilhão
Na tua chegada até suspiro
Explode em festa o coração!

Siby

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010


"A melhor cura para o amor é ainda aquele remédio eterno: amor retribuído."  

Nietzsche

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010


A hora vazia

Onde as humildes palavras 
Que ingenuamente disseste? 
Onde os gestos dos teus braços 
Nascidos para enlaçar?

Cansaste. O sol do deserto 
Secou tua alma de fonte. 
Morreu nos dedos do inútil 
A tua frágil canção.

Não mais ouvirás soluços, 
Não mais na noite deserta 
Descobrirás desesperos. 
Corpos virão sobre as ondas, 
Diante dos teus olhos secos.

Houve uma voz nos teus lábios 
Quente e viva. Quando foi?

Hoje a fadiga, hoje o sono. 
Hoje, trágica e vazia, 
A hora de contemplar.

Maria Isabel

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010



Lua Adversa

Tenho fases, como a lua, 
Fases de andar escondida, 
fases de vir para a rua... 
Perdição da minha vida! 
Perdição da vida minha! 
Tenho fases de ser tua, 
tenho outras de ser sozinha. 

Fases que vão e que vêm, 
no secreto calendário 
que um astrólogo arbitrário 
inventou para meu uso. 

E roda a melancolia 
seu interminável fuso! 

Não me encontro com ninguém 
(tenho fases, como a lua...). 
No dia de alguém ser meu 
não é dia de eu ser sua... 
E, quando chega esse dia, 
o outro desapareceu... 

Cecília Meireles

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010


"Voy a Dormir"

Dientes de flores, confía de rocío,
manos de hierbas, tú, nodriza fina,
tenme puestas las sábanas terrosas
y el edredón de musgos escardados.

Voy a dormir, nodriza mía, acuéstame.
Pónme una lámpara a la cabecera,
una constelación, la que te guste,
todas son buenas; bájala un poquito.

Déjame sola: oyes romper los brotes,
te acuna un pie celeste desde arriba
y un pájaro te traza unos compases
para que te olvides. Gracias... Ah, un encargo,
si él llama nuevamente por teléfono
le dices que no insista, que he salido...

Alfonsina Storni