segunda-feira, 27 de setembro de 2010


Rosto

Como se um mar de folhas 
descobrisse o teu corpo 
ouço-te a vida devolvida 
à minha vida 

Deitas-te assim na dobra estreita 
da minha vida não fictícia 

Tu és o rosto inexorável 
diante de que 
meu rosto vive 
o olhar, a boca, os lábios ácidos 
em que os meus, áridos, se extinguem 

Gastão Cruz

quinta-feira, 23 de setembro de 2010


"Sentir é compreender. Pensar é errar. 
Compreender o que outra pessoa pensa é discordar dela. 
Compreender o que outra pessoa sente é ser ela."

Fernando Pessoa

segunda-feira, 20 de setembro de 2010


"Para quem sabe amar bem, nada é impossível"

Pierre Corneille

domingo, 19 de setembro de 2010


Lembrança

Fui Essa que nas ruas esmolou 
E fui a que habitou Paços Reais; 
No mármore de curvas ogivais 
Fui Essa que as mãos pálidas poisou... 

Tanto poeta em versos me cantou! 
Fiei o linho à porta dos casais... 
Fui descobrir a Índia e nunca mais 
Voltei! Fui essa nau que não voltou... 

Tenho o perfil moreno, lusitano, 
E os olhos verdes, cor do verde Oceano, 
Sereia que nasceu de navegantes... 

Tudo em cinzentas brumas se dilui... 
Ah, quem me dera ser Essas que eu fui, 
As que me lembro de ter sido... dantes!... 

Florbela Espanca

sábado, 18 de setembro de 2010


Os poetas são como os pássaros:
 a menor coisa os faz cantar

François René de Chateaubriand

quinta-feira, 16 de setembro de 2010


A Cor da Tua Alma

Enquanto eu te beijo, o seu rumor 
nos dá a árvore, que se agita ao sol de ouro 
que o sol lhe dá ao fugir, fugaz tesouro 
da árvore que é a árvore de meu amor. 

Não é fulgor, não é ardor, não é primor 
o que me dá de ti o que te adoro, 
com a luz que se afasta; é o ouro, o ouro, 
é o ouro feito sombra: a tua cor. 

A cor de tua alma; pois teus olhos 
vão-se tornando nela, e à medida 
que o sol troca por seus rubros seus ouros, 
e tu te fazes pálida e fundida, 
sai o ouro feito tu de teus dois olhos 
que me são paz, fé, sol: a minha vida! 

Juan Ramón Jiménez

domingo, 12 de setembro de 2010


Comparar-te a um Dia de Verão?

Comparar-te a um dia de verão? 
Há mais ternura em ti, ainda assim: 
um maio em flor às mãos do furacão, 
o foral do verão que chega ao fim. 
Por vezes brilha ardendo o olhar do céu; 
outras, desfaz-se a compleição doirada, 
perde beleza a beleza; e o que perdeu 
vai no acaso, na natureza, em nada. 
Mas juro-te que o teu humano verão 
será eterno; sempre crescerás 
indiferente ao tempo na canção; 
e, na canção sem morte, viverás: 
Porque o mundo, que vê e que respira, 
te verá respirar na minha lira. 

William Shakespeare

sábado, 11 de setembro de 2010


O Nosso Mundo

Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos 
Como um divino vinho de Falerno! 
Poisando em ti o meu amor eterno 
Como poisam as folhas sobre os lagos... 

Os meus sonhos agora são mais vagos... 
O teu olhar em mim, hoje, é mais terno... 
E a Vida já não é o rubro inferno 
Todo fantasmas tristes e pressagos! 

A vida, meu Amor, quer vivê-la! 
Na mesma taça erguida em tuas mãos, 
Bocas unidas hemos de bebê-la! 

Que importa o mundo e as ilusões defuntas?... 
Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?... 
O mundo, Amor?... As nossas bocas juntas!... 

Florbela Espanca

sexta-feira, 10 de setembro de 2010


Me tienes en tus manos

Me tienes en tus manos 
y me lees lo mismo que un libro. 
Sabes lo que yo ignoro 
y me dices las cosas que no me digo. 
Me aprendo en ti más que en mi mismo. 
Eres como un milagro de todas horas, 
como un dolor sin sitio. 
Si no fueras mujer fueras mi amigo. 
A veces quiero hablarte de mujeres 
que a un lado tuyo persigo. 
Eres como el perdón 
y yo soy como tu hijo. 
¿Qué buenos ojos tienes cuando estás conmigo? 
¡Qué distante te haces y qué ausente 
cuando a la soledad te sacrifico! 
Dulce como tu nombre, como un higo, 
me esperas en tu amor hasta que arribo. 
Tú eres como mi casa, 
eres como mi muerte, amor mío.

Jaime Sabines

quinta-feira, 9 de setembro de 2010


A um Corpo Perfeito

Nenhum corpo mais lacteo e sem defeito 
Mais roseo, esculptural e femenino, 
Pode igualar-se ao seu, branco e divino 
Imóvel, nú, sobre o comprido leito! - 

Nada te eguala! O ferro do assassino 
Podia, hoje, mata-la, que o meu peito 
Seria o esquife embalsamado e fino 
D'aquele corpo sem rival, perfeito. 

Por isso é muito altiva e apetecida; - 
E o goso sensual de a vêr vencida 
Ha de ser forte, extranho e singular... 

Como o das cousas dignas de castigo; 
- Ou d'um amante sacerdote antigo, 
Derrubando uma deusa d'um altar. 

António Gomes Leal

domingo, 5 de setembro de 2010


À Beleza

Não tens corpo, nem pátria, nem família, 
Não te curvas ao jugo dos tiranos. 
Não tens preço na terra dos humanos, 
Nem o tempo te rói. 
És a essência dos anos, 
O que vem e o que foi. 

És a carne dos deuses, 
O sorriso das pedras, 
E a candura do instinto. 
És aquele alimento 
De quem, farto de pão, anda faminto. 

És a graça da vida em toda a parte, 
Ou em arte, 
Ou em simples verdade. 
És o cravo vermelho, 
Ou a moça no espelho, 
Que depois de te ver se persuade. 

És um verso perfeito 
Que traz consigo a força do que diz. 
És o jeito 
Que tem, antes de mestre, o aprendiz. 

És a beleza, enfim. És o teu nome. 
Um milagre, uma luz, uma harmonia, 
Uma linha sem traço... 
Mas sem corpo, sem pátria e sem família, 
Tudo repousa em paz no teu regaço. 

Miguel Torga

quinta-feira, 2 de setembro de 2010


Desperta-me de noite

Desperta-me de noite
O teu desejo
Na vaga dos teus dedos
Com que vergas
O sono em que me deito

É rede a tua lingua
Em sua teia
É vicio as palavras
Com que falas

A trégua
A entrega
O disfarce

E lembras os meus ombros
Docemente
Na dobra do lençol que desfazes

Desperta-me de noite
Com o teu corpo
Tiras-me do sono
Onde resvalo

E eu pouco a pouco
Vou repelindo a noite
E tu dentro de mim
Vais descobrindo vales.

Maria Tereza Horta