segunda-feira, 29 de novembro de 2010



Falo de Ti às Pedras das Estradas

Falo de ti às pedras das estradas, 
E ao sol que e louro como o teu olhar, 
Falo ao rio, que desdobra a faiscar, 
Vestidos de princesas e de fadas; 

Falo às gaivotas de asas desdobradas, 
Lembrando lenços brancos a acenar, 
E aos mastros que apunhalam o luar 
Na solidão das noites consteladas; 

Digo os anseios, os sonhos, os desejos 
Donde a tua alma, tonta de vitória, 
Levanta ao céu a torre dos meus beijos! 

E os meus gritos de amor, cruzando o espaço, 
Sobre os brocados fúlgidos da glória, 
São astros que me tombam do regaço! 

Florbela Espanca

domingo, 28 de novembro de 2010


Abandono

A quem senão a ti direi
como estou triste? Mas se a tristeza vem
de tu não estares, como ta direi, como hei-
-de juntar o que me está doendo ao vento
que não bate mais à tua porta? Eu sei

que a tristeza é só isto, é só isto,
o descoincidir consigo mesmo, eu sei,
descoincidir com os outros, estava previsto
porque dentro de si o mundo não coincide e
não há senão tristeza. Em cada um está Cristo

sempre abandonado, cada um abandonado
a si mesmo, sem princípio e sem fim,
pois no princípio o amor era dado
promessa de te ter sempre junto a mim
não ausência, nem dor, nem habitado

ser por todo este absurdo. Morrer
um pouco, disse, sem saber o que dizia
pois eram só palavras, como se a prometer
tudo aquilo que havia e não havia.

Não haver palavras és tu a desaparecer.

Bernardo P. de Almeida

sexta-feira, 26 de novembro de 2010


Desiderata 

Siga tranqüilamente entre a inquietude e a pressa,
lembrando-se de que há sempre paz no silêncio. 
Tanto quanto possível, sem humilhar-se, 
viva em harmonia com todos os que o cercam. 
Fale a sua verdade mansa e claramente e ouça a dos outros, 
mesmo a dos insensatos e ignorantes, 
eles também têm sua própria história. 
Evite as pessoas agressivas e transtornadas. 
Elas afligem o nosso espírito. 
Se você se comparar com os outros, 
você se tornará presunçoso e magoado, 
pois haverá sempre alguém inferior, e alguém superior a você. 
Viva intensamente o que já pôde realizar. 
Mantenha-se interessado em seu trabalho, 
ainda que humilde, Ele é o que de real existe 
ao longo de todo o tempo. 
Seja cauteloso nos negócios, 
porque o mundo está cheio de astúcias, 
mas não caia da descrença, a virtude existirá sempre. 
Muita gente luta por altos ideais 
e em toda a parte a vida está cheia de heroísmo. 
Seja você mesmo, 
Principalmente, não simule afeição, 
nem seja descrente do amor, 
porque mesmo diante de tanta aridez e desencanto 
ele é tão perene quanto a relva. 
Aceite com carinho o conselho dos mais velhos , 
mas também seja compreensivo 
aos impulsos inovadores da juventude. 
Alimente a força do espírito 
que o protegerá no infortúnio inesperado, 
mas não se desespere com perigos imaginários. 
Muitos temores nascem do cansaço e da solidão, 
e a despeito de uma disciplina rigorosa, 
Seja gentil para consigo mesmo. 
Você é filho do Universo, 
irmão das estrelas e árvores. 
Você merece estar aqui,
E mesmo se você não pode perceber,
A Terra e o Universo vão cumprindo 
O seu destino. 
Portanto, esteja em paz com Deus 
como quer que você o conceba 
E quaisquer que sejam seus trabalhos e as aspirações, 
na fatigante jornada pela vida, 
mantenha-se em paz com sua própria alma, 
Acima da falsidade, dos desencantos e arduras, 
O mundo ainda é bonito. 
Seja prudente e faça tudo para ser feliz! 

Poeta: Max Ehrmann
Poema: Escrito em 1926

terça-feira, 23 de novembro de 2010


Beijo

sua boca
uva rubra
roça meus lábios
e por segundos
somos murmúrios úmidos
seiva cósmica
de línguas
púrpuras

Virgínia Schall

quarta-feira, 17 de novembro de 2010



OBRA DE AMOR

Rosas y lirios ves en el espino;
juegas a ser: te cabe en una mano,
esmeralda pequeña, el océano;
hablas sin lengua, enredas el destino.

Plantas la testa en el azul divino
y antípodas, tus pies, en el lejano
revés del mundo; y te haces soberano,
y desatas al sol de tu camino.

Miras el horizonte y tu mirada
hace nacer en noche la alborada;
sueñas y crean hueso tus ficciones.

Muda la mano que te alzaba en vuelo,
y a tus pies cae, cristal roto, el cielo,
y polvo y sombra levan sus talones.



Alfonsina Storni

segunda-feira, 15 de novembro de 2010


Quero apenas cinco coisas.. 
Primeiro é o amor sem fim 
A segunda é ver o outono 
A terceira é o grave inverno 
Em quarto lugar o verão 
A quinta coisa são teus olhos 
Não quero dormir sem teus olhos. 
Não quero ser... sem que me olhes. 
Abro mão da primavera para que continues me olhando.

Pablo Neruda

sábado, 13 de novembro de 2010


Não Posso Adiar o Amor

Não posso adiar o amor para outro século 
não posso 
ainda que o grito sufoque na garganta 
ainda que o ódio estale e crepite e arda 
sob montanhas cinzentas 
e montanhas cinzentas 

Não posso adiar este abraço 
que é uma arma de dois gumes 
amor e ódio 

Não posso adiar 
ainda que a noite pese séculos sobre as costas 
e a aurora indecisa demore 
não posso adiar para outro século a minha vida 
nem o meu amor 
nem o meu grito de libertação 

Não posso adiar o coração 

António Ramos Rosa

quinta-feira, 11 de novembro de 2010


Amor

o teu rosto à minha espera, o teu rosto 
a sorrir para os meus olhos, existe um 
trovão de céu sobre a montanha. 

as tuas mãos são finas e claras, vês-me 
sorrir, brisas incendeiam o mundo, 
respiro a luz sobre as folhas da olaia. 

entro nos corredores de outubro para 
encontrar um abraço nos teus olhos, 
este dia será sempre hoje na memória. 

hoje compreendo os rios. a idade das 
rochas diz-me palavras profundas, 
hoje tenho o teu rosto dentro de mim. 

José Luís Peixoto

quarta-feira, 10 de novembro de 2010



Sonhei comigo

Sonhei comigo esta noite
Vi-me ao comprido
Deitada
Tinha estrelas nos cabelos
em meus olhos madrugadas
Sonhei comigo esta noite
como queria ser sonhada

Senti o calor da mão
percorrendo uma guitarra
De longe vinha um gemido
uma voz desabalada

Havia um campo de trigo
um sol forte me abrasava.
E acordei meio sonhando
procurando me encontrar
Quando me vi ao espelho
era teu o meu olhar.

Eugénia Tabosa

segunda-feira, 8 de novembro de 2010



Parte Invisível do Visível

A parte invisível do visível.
De resto conhecer mais o quê?
O Manifesto do Invisível.
Os lobos são a cabeça do anjo que não se vê.
Sangue no Focinho e Cobardia.


Gonçalo M. Tavares

domingo, 7 de novembro de 2010


A Arte de Ser Amada

Eu sou líquida mas recolhida 
no íntimo estanho de uma jarra 
e em tua boca um clavicórdio 
quer recordar-me que sou ária 

aérea vária porém sentada 
perfil que os flamingos voaram. 
Pelos canteiros eu conto os gerânios 
de uns tantos anos que nos separam. 

Teu amor de planta submarina 
procura um húmido lugar. 
Sabiamente preencho a piscina 
que te dê o hábito de afogar. 

Do que não viste a minha idade 
te inquieta como a ciência 
do mundo ser muito velho 
três vezes por mim rodeado 
sem saber da tua existência. 

Pensas-me a ilha e me sitias 
de violinos por todos os lados 
e em tua pele o que eu respiro 
é um ar de frutos sossegados. 


Natália Correia

quarta-feira, 3 de novembro de 2010


O Teu Olhar nos Meus Olhos

Sempre onde tu estás
Naquilo que faço
Viras-te agarras os braços
Toco-te onde te viras
O teu olhar nos meus olhos
Viro-me para tocar nos teus braços
Agarras o meu tocar em ti
Toco-te para te ter de ti
A única forma do teu olhar
Viro o teu rosto para mim
Sempre onde tu estás
Toco-te para te amar
olho para os teus olhos.

Harold Pinter